José Saramago despertou orgulho em muitos brasileiros quando em 1998 venceu o Prêmio Nobel de Literatura.
Muitos sentiram-se agraciados, admitindo ainda mais o nosso respeito aos nossos irmãos de sangue portugueses. Aquela vitória também era nossa, pois acima de tudo tínhamos o primeiro autor de língua portuguesa a vencer um Nobel.
Antes de José Saramago, pelo menos para a minha geração, a impressão era de que todos os grandes autores mundiais pudessem ter sido uma invenção midiática, já que não havia nenhum deles vivo. Saramago estava ali em carne e osso.
Com sua literatura idiossincrática, sem parágrafos e pontuações habituais, Saramago emitiu opiniões capazes de fazer tremer a teia do pensamento ocidental dos últimos 30 anos. A profusão e a densidade de cada página de sua escrita não parecem estar ali a não ser para fazer o leitor arder no suor produzido ao tentar atravessar as suas centenas de páginas. O trabalho extenuante da reflexão.
E se a partir de agora ninguém mais morresse? E se de repente todos ficassem cegos? E se Jesus Cristo desse a versão dele ao evangelho?
Em tempos de luta científica pelo elixir da vida eterna e de cegueiras brancas pelo excesso de luz e luminosos, provavelmente a obra de Saramago ainda nos surpreenderá lá adiante na escala do tempo. Não creio que seja tudo para o agora, nem poderia.
Ateu declarado, recentemente teceu duras críticas ao Vaticano. onde disse que “a bíblia é um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana”.
O autor português alcançou sucesso internacional tardio, aos quase 60 anos, caso levemos em conta o ideal juvenil de riqueza, fama e poder tão vigente em nossa sociedade. O mundo realmente ouviu falar de Saramago a partir de “Memorial do Convento”, de 1982.
Em 2008 lançou um blog (http://caderno.josesaramago.org/) e no mesmo ano o seu livro “Ensaio sobre a cegueira” foi adaptado ao cinema pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles.
Deixou Portugal e se estabeleceu na Espanha depois de desentendimentos políticos, como certa vez disse: “Eu saí de Portugal porque tinha um problema com um governo, não com Portugal, aliás, com aquele governo que já passou”.
Por mais polêmicas e fortes que sejam suas opiniões não se pode negar a sua enorme contribuição para o exercício da reflexão.
Você pode assistir (o segundo vídeo) o trailer do ainda inédito José & Pilar, documentário sobre a vida do escritor e sua mulher, a jornalista espanhola Pilar Del Rio. O doc, dirigido pelo português Miguel Gonçalves Mendes, foi produzido pela Jumpcut (Portugal) e co-produzido pela O2 Filmes (Brasil) em parceria com a El Deseo (Espanha).
Morre o homem Saramago. Vive sua obra rumo ao futuro.
Antonio Rossa